quarta-feira, 13 de abril de 2011

Ao jovem médico



(cartinha que mandei ao dr. Leone Koehne Ribeiro, por ocasião de sua formatura...)

Olhando para si mesmo, qualquer um pode imaginar o quão difícil e complexo é este mecanismo que todos os dias acorda e diz: estou vivo!

Que se levanta, move-se, pensa, age, reage, interage...

Milhões de anos fizeram cada corpo, evoluindo desde a molécula que se agregou uma à outra, e mais outra, formando então uma primeira célula, carregando em seu núcleo a carga comum do DNA, que lutaria assexuada ou sexuadamente para perpetuar-se, unindo-se a outras tantas, formando seres cada vez mais e mais complexos...

E estes seres, todos, trazem em si as ligações para a saúde, a doença, a vida e a morte...

Mas o corpo nem sempre é a tônica...

Algo, de fato, não se encontra – desde o mais primitivo dos seres – palpável. Algo que a ciência não se apercebe e, portanto, não lida. É este algo que fez, um dia, um grego procurar sistematizar a arte de Esculápio, pois que temerosa tarefa havia de ter um norte.

Jurou Esculápio aos deuses, que não mais acreditamos, e como ele juraram todos desde então. Quem é que ouve tais palavras? Quem de fato as sente? Quantos, efetivamente, as vivenciam na correria que então se inicia?

As palavras, que parecem envelhecidas, encontram novos significados: quantos são os que fato entrarão “em toda casa”? E encontrarão nos irmãos escravizados pelos vícios mais atrozes o paralelo daqueles que mereceram de Hipócrates aquilo que falou de "igualdade" aos que são “livres”?

Encontraremos, nos mais afastados nosocômios, aquilo que a ciência, sempre ciosa da matéria, parece rir-se tal quando jurou a Panaceia? Onde estão “todos os deuses” a quem juraram?

Todos nós, e os médicos sobretudo, possuímos em nosso imo esses “deuses” que os Antigos falavam, cada um com o seu próprio "deus"...

No mito, Asclépio poupara de Hades uma vida e este exigiu-lhe a morte; foi a passagem onde Zeus o tornou uma verdadeira divindade. Mas, não teria já o médico o “dom divino” de antes? E, sabendo que deveria ensinar – assim jurou o primeiro médico – a todos o que sabia, conforme sabia, se não tinham todos esse mesmo “dom”?

Se fôssemos todos iguais, todos os médicos também o seriam. Mesmo entre os antepassados da família do jovem médico há o que fundou a primeira maternidade-escola do Brasil, e o que enveredou para a política, sem contudo curar... Há o que lutou pelo efêmero status e logo foi esquecido – e aquele que se transformou, mesmo que ideologicamente materialista, em verdadeiro sacerdote e professor, lutando por valores que a sociedade ainda desconhece, contra a desigualdade e a pobreza...

Não somos iguais – não em compreensão, em saber e, sobretudo, evolução. Mas somos essencialmente idênticos diante da Medicina: a dor, o sofrimento, a morte... ricos ou pobres, velhos ou jovens... também somos iguais quando olhamos para o “lado invisível” – para os “deuses” que em nós habita – e cujo destino é comum...

E na alegoria do panteão há, no plano invisível, uma vasta hierarquia, onde do mais Alto – do Olimpo mesmo – podemos sempre haurir a sabedoria: para o momento urgente em que a artéria cortada espirra o líquido vital, para o fim do dia do plantão cansativo, para o fim de semana onde o inesperado chama...

A Ciência ainda não tem todas as respostas. Pensou que as tinha, e descobriu-se enganada – e muitos ainda se fazem vítimas deste engodo... Contudo, desde que o mundo é mundo, os sábios contam-nos, com as metáforas cabíveis a cada era, onde encontrá-las.

Os “deuses” ainda existem, nos amparam, nos guiam, nos falam ao pensamento... Mesmo quando neles afirmamos não crer. Mesmo quando todos fingem seguir ignorando-os. Ou quando, não os encontrando na matéria inerte e não-animada, afirmam ser inexistentes...

Que o meu sobrinho Leone, tendo jurado como Hipócrates, tenha a luz da sabedoria a guiá-lo em todos os seus passos; que os seus pacientes recebam-lhe, sempre, o lenitivo desta luz; pois ele, sim, há de ter jurado de verdade.

Tudo de bom, Leo.

Caetité, janeiro de 2011.

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