segunda-feira, 28 de setembro de 2009

200 anos de Caetité - erros históricos


Uma cidade fazer 200 anos é algo raro. Caetité era uma das trinta e oito unidades municipais que existiam na Bahia do Brasil-Colônia, em 1810 quando, depois de mais de uma década de lutas, os seus cidadãos finalmente conseguiram comprar a emancipação da Vila de Nossa Senhora do Livramento de Rio das Contas (uma vila que se emancipara em 1724 como Livramento mas que, dois anos mais tarde, transferiu-se para Rio de Contas).

O de que falaremos aqui é sobre como uma cidade erra sobre sua própria história e de como apenas a preguiça em ler pode causar um erro tal...

Ocorre que, a despeito de ser pacífico entre os historiadores sérios a data de emancipação da cidade o 5 de abril de 1810, de há muito os órgãos oficiais (municipais, alguns estaduais e até federais) consignavam, num circuito vicioso, como data maior de Caetité o dia 12 de outubro de 1867...

A professora Helena Lima Santos, irmá do ex-Primeiro-Ministro (o último do Brasil, nos conturbados anos do governo Jango), autora do maior livro sobre a história caetiteense, dedicou uma linha na sua obra "Caetité, Pequenina e Ilustre" ao fim do capítulo que trata da nossa emancipação. Quando da segunda edição da obra, em 1996, sabe-se lá por qual motivo, o editor (que foi ninguém menos que seu filho Maurício), transformou essa mesma linha em "capítulo" à parte, com o título pomposo de "Elevação a Cidade e Grafia de Caetité". A linha de que falamos diz, exatamente:
A vila foi elevada à (sic) cidade pela Lei 995 de 19 (sic - deveria estar 12) de outubro de 1867.

Assim, com esses dois errinhos - um de português, outro de data mesmo - é só isso que traz esse livro; e nem poderia ser diferente: essa leizinha não significa nada: nem historicamente, nem simbolicamente...

Uma linha, somente. Para os que não gostam de ler essa linha passou a ter mais valor do que as 5 páginas e um parágrafo que compõem o Capítulo precedente: "Criação da Vila".

Assim foi que fizeram do dia 12 feriado municipal (como se já não o fosse nacional, dia da Padroeira Nossa Senhora Aparecida), e puseram o ano da insignificante lei 995 como nossa "data maior": o Brasão de Caetité passou a ostentá-la! Roubando nada menos que 57 anos de vida citadina; inexplicável, portanto, como dizer que a Imperial Vila da Vitória poderia ter daqui se emancipado em 1840 - se sequer existíamos, na visão destes!

Sem sermos emancipados, como teriam os vereadores manifestado apoio a D. Pedro I? E o que dizer de nossos Intendentes (como eram chamados os prefeitos), como Antonio de Souza Maciel (1810-14), Francisco Rodrigues Carneiro (1815-18), Caetano Pires Bandeira (1819-22), Jorge da Silveira Machado (1823-26), Agostinho Carmelino Leão (1827-30), Jacinto Antônio de Brito (1831-34 e 1845-48), Felipe Rodrigues Ladeia (1835-36), Joaquim Venâncio Gomes de Azevedo (1837-44), José Antonio Pimenta (1848-52 e 1861), Porfírio de Brito Gondim (1953-58), José de Souza Fraga (1859-60), Cipriano José das Neves (1862-65) e, finalmente, Gregório de Souza Barros (que, curiosamente, começara seu governo em 1866 - um ano antes da tal data da falsa "emancipação")

Portanto, a única explicação plausível para que um erro de tal monta tenha obtido tantos adeptos é mesmo a tal preguiça de ler... Claro que é mera especulação, carecendo de fontes, mas há alguns anos me ocorreu algo que parece corroborar tal hipótese: era aniversário da cidade (5 de abril, não confundam) e fui a um programa de rádio falar sobre. No meio da entrevista um espectador liga, identificando-se como professor da rede municipal de ensino (a mesma que ainda comemorava a data falsa) e me sapeca aquela mesma linha citada há pouco neste texto... "Professor" - disse-lhe, então - "volte mais 5 páginas, e leia, se não tudo, ao menos a primeira"...

Num país que não sabe cantar seu Hino Nacional, isto parece ser um pingo d'água no oceano - mas, na verdade, são os pingos d'água que fazem o oceano da ignorância ser o que é...