quinta-feira, 30 de abril de 2009

Cotas nas Universidades


Anos atrás ouvi de um ex-comunista (e hoje até os comunistas são ex) que o Brasil deveria privatizar as universidades. Para mim, fruto do ensino público e gratuito toda a minha vida, aquilo soou como heresia. Não por mim, mas justamente porque quem o dizia havia não somente estudado todos os três graus pelo ensino público: mas porque justamente ele se beneficiara do dinheiro público até para morar na capital, enquanto se preparava para entrar na faculdade e durante todo o tempo em que lá ficou, numa residência estudantil mantida pela prefeitura...

Na época, meu único argumento foi perguntar-lhe:

O Brasil lhe deve muito, não? Pois você usufruiu da gratuidade toda a vida e agora, quer fechar as portas aos que não lá chegaram.

O escritor Luis Fernando Verissimo, que quando fala sério fala como poucos, nos dá uma demonstração sucinta de como vemos a reação da sociedade "não-racista" brasileira contra a instalação do sistema de cotas nas universidades...

Diz ele, comparando Brasil e EUA: "A diferença entre um país e outro é essa. Lá o racismo é uma questão nacional. Aqui uma ficção de integração dilui a questão racial. E se a questão não existe, se ninguém é racista, por que nos preocuparmos com denominações corretas ou incorretas? Só quando a ficção é desafiada, como no caso das cotas universitárias, é que aparece o apartheid que não se reconhece."

Vivemos um apartheid brasilis, uma aberração que sempre (desde quando a escravidão vigia) tolerou uns dois ou três por cento de negros nos meios sociais mais abastados. Uma cifra que não se altera, mesmo no século XXI - e que o sistema de cotas insiste em querer alterar...

Gostamos, como na imagem acima de Rugendas, de olhar a massa de nossas janelas, partilhando a mesma visão: uns, morando nas mansões, os outros nas mansardas...

Testemunhei muitos casos de racismo ao longo de minha vida. Racismo verbal, claro, ou a "coisa" seria mesmo caso de polícia. Ser "branco" nos permite ser tomado por "cúmplice" de tais comentários. Mas um deles foi constrangedor: um comerciante me dizia barbaridades a cada contradição que lhe retrucava e, no calor de sua desfaçatez, um cliente, negro, entrou. Eram amigos, e o tal comerciante não o vira e continuou seu discurso. Não era pessoal, mas era ofensivo. O constrangimento foi tanto que eu já me preparava para dizer a verdade e nada mais que a verdade quando ambos, vendedor e comprador, finalmente vendo-se mutuamente, seguiram adiante como se absolutamente nada houvesse ocorrido...

Mais tarde, procurei o amigo que chegara e lhe perguntei o que achara daquilo que havia escutado. Não sei o que esperava como resposta, mas a que obtive foi um "deixa pra lá", "já estou acostumado" e "fulano é assim"...

Não sei por quem ele me tomara - se por um cúmplice, mais um dos autores do apartheid brasilis - aquele que "não se reconhece" - mas o fato é que tudo continuava como dantes. É melhor ir deixando pra lá, fazendo de conta que somos mesmo todos iguais, que o Brasil pratica a mais perfeita interação social e... ainda tem coragem de falar contra a mais que urgente reparação...

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Direitos subumanos



Desde os idos da ditadura militar que assistimos dois movimentos distintos que resultaram numa catástrofe criminológica no Brasil: de um lado, governos e oligarquias fazendo leis voltadas para a proteção do criminoso e, de outro, os movimentos de luta pelos direitos humanos reclamando dos excessos das forças públicas.

Leis passaram a criar privilégios cada vez mais voltados a dificultar a prisão de infratores, sua rápida libertação quando presos ou condenados – sempre, claro, favorecendo as classes mais abastadas.

O que o legislador não previa era que, se imaginava estar se auto-protegendo ou a seus eventuais filhinhos transgressores, o criminoso comum passaria a ficar mais e mais organizado e rico – capaz de penetrar as chicanas criadas e conseguir os benefícios legais para perpetuar-se no crime transformado em lucrativo negócio.

O sistema jurídico brasileiro acata todas as benesses, não havendo qualquer distinção se o criminoso foi um ladrão eventual ou contumaz; uma vida humana cobardemente extirpada paga-se com três, quatro anos – e olhe lá.

Não se pode discutir ressocialização de presos na atual situação brasileira. Deve se discutir, isso sim, penas efetivamente maiores para crimes maiores: nada, mas nada mesmo, justifica que se tire uma vida – e temos sendo libertados em poucos anos quem tira várias.

Tampouco há que se defender inimputabilidade para quem, de posse duma arma de fogo, sai para praticar um assalto seguido de morte: não há como alguém alegar não saber para que serve uma arma, carregada de balas, e que a levava consigo deliberadamente para uma prática criminosa: quer tenha catorze anos, quer oitenta.

Crimes contra a vida deveriam ter pena mínima de vinte anos: mínima efetiva, sem qualquer “benefício”. Não se pode crer em justeza de pagamento para a sociedade com a perda de uma vida humana por tempo menor!

O máximo de pena prevista em nossa Constituição é uma falácia, e um acinte: nunca é cumprido, senão por pobres coitados ou pelos insanos; e, como falar em quitação para com a sociedade de alguém que dolosa e cobardemente elimina um pai de família?
A verdade é que este sistema legal de privilégios aos criminosos criou o atual estado de crime que compensa, no Brasil; somos uma sociedade da tolerância com aqueles que nos matarão, roubarão, drogarão nossos filhos, porque nosso legislador fez leis que beneficiam a si próprios, quando apanhados em falcatruas ou aliados ao banditismo.

Não é algo simples, ser criminoso: é preciso ter dinheiro – o que as organizações supriram com facilidade, aliciando mais seguidores. Também alicia-se dentre os mais jovens: a impunidade é certa.

Em nome de pseudo-direitos humanos, e com coisas como a divisão das polícias em duas entidades (civil ou judiciária e militar ou ostensiva), aliados a um judiciário fraco, uma sociedade como a brasileira apresenta-se em permanente estado de guerra: matamos como se a vida, aqui, fosse um bem menor...

Presidentes articulam mudanças na Constituição para ampliar seu tempo no poder; sociologicamente apresenta-se como intelectual, mas apenas contribuiu para aumentar essa guerra em que o cidadão inocente é sempre a vítima. Outro fica também oito anos, mas nenhum, quer esteja à direita ou à esquerda, apenas pensam em como perpetuar o atual estado de coisas, mantendo-se em suas posições.

Penso que nenhum país tem policiais tão despreparados como o nosso – e olha que já estamos a emprestar dinheiro ao FMI... Nenhum governante investe em treinamento da polícia investigativa; nenhum esforço se faz para tornar as penas mais duras na própria Constituição, e muito menos para criar meios de punir o criminoso e garantir a vida...

Acabamos de ouvir o Roberto Jefferson dizer que ele foi punido em excesso com mais de dez anos de cassação (realmente são apenas oito anos) enquanto governadores ficam somente três anos cassados. Que defende ele? Claro: a redução da pena dele! Nunca, mas nunca mesmo, veremos um discurso dizendo que a cassação por três anos somente é uma indecência – como de fato é.

Falar em direitos humanos de quem está nas infectas penitenciárias do Brasil é fácil. Difícil será um dia vermos tais “defensores” mudarem o discurso e verem que a tortura do Estado pode ser combatida numa democracia; mas a tortura feita aos cidadãos pelos impunes criminosos não encontra qualquer instância.

Erros judiciais podem ser revistos; como rever os acertos das balas perdidas?

O resultado do Brasil de hoje, onde o crime compensa, está num crescendo que urge uma reação global da sociedade: penas mais severas, uma polícia unificada, científica e acessível, judiciário menos moroso e, na base de tudo: leis processuais menos afeitas à liberdade de quem não a merece, efetivamente.

Pena, ao contrário do que dizem, não é para educar, não: é para punir e pagar, antes de tudo: nada educa mais do que isto sendo verdade.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Supremo corte no Brasil


Quando o Ministro Hermes Lima, da vizinha cidade de Livramento do Brumado, irmão da falecida amiga Helena Lima Santos - autora do livro maior sobre Caetité - integrou o Supremo Tribunal Federal, não poderia imaginar que em pouco tempo o país iria mergulhar não somente em uma ditadura - mas na vergonhosa subserviência do Judiciário ao poder militar, e a todo tipo de falcatruas "legais" que o Brasil ainda não se livrou...

Foi Hermes Lima quem, antevendo o assassinato do amigo Anísio Teixeira, engendrou seu ingresso na Academia Brasileira de Letras, imaginando assim evitar a sua morte pois os milicos não teriam coragem de eliminar um Imortal da ABL. Anísio, entretanto, foi morto depois de sair da casa do Aurélio Buarque, última das visitas que tinha a fazer...

A Corte Suprema, como de resto toda a estrutura judicante brasileira país afora, dobrou a cerviz ao regime. Fez-se silente sob os AI-5, obedeceu à "constituição" forjada para eliminar os direitos e abriu margem para, por toda a parte, a venalidade assomar como regra - e não como exceção fácil de ser combatida e extirpada.

De instância maior, passou antes a ser foro "privilegiado" dos privilegiados, mero juízo ordinário para classes que, num verdadeiro ESTADO DE DIREITO, deveriam ser tratadas sob o pétreo ditame (constitucional, máxima vênia) de que todos (todos) são iguais perante a lei...
Instância da desigualdade, fruto duma ditadura promíscua, o tribunal supremo é mesmo ainda ocupado por antigos compadres do "gerente maior" e por amigos da Corte - não a Corte das togas, mas aqueloutra, dos feudos...

O sorriso que vemos na imagem - como se pode sorrir quando se está sendo acusado de falar aos "capangas"? - é para mim o símbolo de tudo o que ainda precisamos mudar em nosso Brasil.

Mas, apesar do nosso triste passado recente (e ainda presente), brotam Homens como Joaquim Barbosa!

Ao Ministro Joaquim Barbosa o Brasil de homens sérios e honestos diz um imenso OBRIGADO - por dizer aquilo que temos calado - ainda, por falta de seriedade em muitos dos Poderes da República - na garganta...

Joaquim Barbosa, como um dia improvisou Castro Alves, faz verdade o canto que diz:

A lei sustenta o popular direito
Nós sustentamos o Direito em pé!



Por a nossa nação ter possuído homens como Hermes Lima, e ter homens como Joaquim Barbosa - podemos nunca abandonar o sonho de derrotar os cínicos e os venais, de vencer os subservientes e os lenientes...


Justo quando o Brasil assistia cobrir-se sob o manto vergonhoso de quem ri-se de tudo e de todos, mesmo que não esteja falando aos capangas, eis que Joaquim Barbosa nos redime, sob a cor de África - como quando Luiz Gama erguia o Direito enquanto o direito legitimava a servidão!


Joaquim Barbosa, assim, faz a fênix do Direito ressurgir, e ergue bem alto a chama da Justiça: a Justiça que ainda teremos!

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Moinhos de vento


Há tempos, brincando, dizia que para ser um Don Quixote faltavam-me moinhos de vento. Então inventaram de fazer moinhos de energia eólica em Caetité - algo ainda não concretizado, apesar da propaganda...

Quando (e se) os moinhos chegarem, sentir-me-ei um verdadeiro Cavaleiro de la Mancha! Estarei empunhando minha lança e lançar-me-ei contra os moinhos - em verdade a gigantesca massa que chamo ignorância.

E, claro, quebrarei a cara. Sempre quebramos a cara, quando aliamos a prática ao discurso, e vice-versa. Acho que por isto sou tão "querido" em alguns lugares.

Claro que não sou idiota para frequentar onde não me queiram - mas tampouco sou hipócrita para fingir gostar dos que alimentam tais gigantes que sonho combater.

Outra noite, por exemplo, saí em busca dum espetinho de gato, desses vendidos nas ruas, para dar aos meus cães (não, eles não fizeram nada especial para merecer tal regalia, estavam apenas com fome) e me encontrei com alguém desses...

Tivera eu uma visão melhor, sobremodo à noite, teria seguido adiante - mas já eu estacinava, quando notei tal presença...

Odeio "invadir" o espaço alheio... Acho que me basto para ter de partilhar-me com quem não gosta de mim. Prefiro, sempre, sair, ou simplesmente nem ir - quando sei previamente. Mas não era o caso.

Porque algo ao menos já aprendi. Não dá, mesmo quixotescamente, para falar ou fazer nada quando alguém já se fechou para qualquer recepção emanada de outrem. Restar-nos-á recolher a lança ponteaguda, mesmo que com sofrimento, e não alimentar sequer a esperança de que as ilusões de um mundo melhor não são para todos...

E, nestas horas, lembrar que há Sancho Pança.

E, humilde e cobardemente, dar espaço para a ignorância.