sábado, 17 de dezembro de 2011

PRESENTE AOS LEITORES


Faz muito tempo que digitalizamos esta obra do João Gumes, Patrono da Cadeira 2 na Academia Caetiteense de Letras - e em domínio público.

"Os Analphabetos" foi publicado em 1928, já perto de sua morte (1930), em um volume; na época em que fizemos este trabalho ocupávamos a gerência de cultura da cidade - e a velocidade da internet e capacidade dos computadores me forçaram a criar 2 arquivos... Algo que hoje soa até meio estranho!

Embora tenhamos conservado o "ph" no título, o português foi atualizado; não é aquilo que chamamos de "leitura fácil", pois que fora algo escrito para ser publicado "aos pedaços", nas edições do jornal A Penna.

Seguem os links:


PARTE 1


PARTE 2

Boa leitura, então.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Caetité se enche de livros



No mês de julho de 2011 encerramos um semestre sui generis em nossa história; nada menos que quatro livros nos chegaram, falando da terra ou de sua gente, de memórias e biografias...

Inicialmente tivemos o livro autobiográfico do professor Waldir Silvão, filho do também professor Alfredo, nome que transformou a história caetiteense, ele que dirigiu a Escola Normal e foi nosso prefeito nos idos de 1946... A obra, um belo volume, mostra o cuidado que Silvão teve ao longo da vida em manter sua trajetória no magistério devidamente registrada e não só: relata as amizades e manifestações de apreço, como as poesias da caetiteense Aída Ladeia, e de alunos e colegas que semeou ao longo de sua carreira em diversas cidades da Bahia.

Na Sessão Ordinária da Academia Caetiteense do mês de maio de 2011 a obra foi então apresentada e um fato curioso se deu: estavam ali dois de seus ex-alunos: a professora Sônia Silveira, que com ele estudou em Caetité, no Instituto de Educação Anísio Teixeira e Benedicto Antônio dos Santos, seu ex-aluno em Santo Amaro da Purificação... Ambos confirmavam, nos relatos, a severidade e seriedade do antigo mestre, cuja saudade era então amenizada pelo imorredouro registro em um livro...

Dia 14 de julho foi a nossa vez de trazer o livro Anísio para Caetité. Deste já tivemos ocasião de falar disto, pois era mesmo nosso papel não deixar diminuir, na terra natal, o conhecimento sobre o grande educador; ali registramos suas passagens biográficas em Caetité, e tudo aquilo que fez pela cidade. Anísio não precisava, de fato, que alguém tão ínfimo dele cuidasse – mas muitos têm agora uma obra básica a nortear futuras pesquisas e aprofundamentos. Porque nenhum lugar melhor para se retratar o imortal educador, senão num livro...

Finalmente, em 23 de julho, dois novos volumes foram aqui lançados: a biografia política do caetiteense Paulo Jackson, e o registro dos “causos” engraçados da cidade, sob a batuta do Etinho...

No primeiro livro, lançado na Casa Anísio Teixeira, o leitor terá conhecimento do trabalho e carreira política de Paulo Jackson, na pena da Joandina Carvalho. Paulo, com quem tivemos ocasião de partilhar várias lutas, foi mesmo uma figura ímpar – e cuja morte prematura fez com que nossa história citadina se diminuísse de forma bastante drástica... Um escrito sobre ele é, portanto, só um pequeno passo para ilustrar o quanto viveu, pois foi de fato uma vida que merece a imortalidade que dão os livros...

O segundo livro lançado naquela memorável noite – Pérolas do Humor Caetiteense – do Etevaldo Nônico, reuniu uma Caetité que somente aqueles que a vivem de fato conhecem e, por que não, reconhecem: a dos “causos”; nossas mais significativas figuras saem do anonimato e ganham a perenidade, agora jamais serão esquecidas e, por isso, é motivo de orgulho termos podido colaborar minimamente com o Etinho...

Ali, o Américo Oliveira, que foi peça chave na concretização da obra, frisou o imenso orgulho de ser natural de uma cidade que, como poucas, assistia a tanta produção literária – e resumiu o sentimento de todos. Falamos em nome da Academia, então, frisando que já estava na hora de Etinho vir a compor nossos quadros acadêmicos... É uma ideia, apenas, mas também uma esperança de que este tenha sido o primeiro de outros tantos volumes que, com certeza, nossa cidade permite sejam produzidos, com sua cultura tão rica e, agora, parte dela gravada para sempre nas páginas de mais um livro...

Estes foram os quatro livros que surgiram, em menos de meio ano. E já se promete para setembro mais um, desta feita pelo Giovanni Silveira. Pois é... Caetité realmente assiste a um momento ímpar! Perdemos o medo dos livros? Esperamos que sim... Ainda estamos longe dos tempos em que a cidade respirava cultura, ainda vemos jovens sem nada na cabeça a iludir-se com músicas nas alturas, exibindo suas baixezas... Ainda temos muito a trilhar para que isto de fato venha a ser realidade cotidiana, em que o caetiteense sem leitura se envergonhe de sê-lo! Mas, numa coisa todos podemos nos orgulhar: temos aquilo que faz um povo como o nosso ser, de fato, diferente, único: temos livros!

Caetité, julho de 2011.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

O Advogado e os Livros

“Que nenhum tirano
Pregue o povo na cruz!
E que nenhum insano
Ao crime faça jus!”

José Almiro Gomes (in: “Natal de Jesus”, Coaraci, Natal de 1982)

Meu tio José se foi, no dia 8 de junho de 2011. “José, meu irmão mais velho” – como sempre falava minha mãezinha, quando a ele se referia. E quando ela morreu, em 2005, foi a última vez que nos falamos.

No ano de 1984 passei com ele alguns dos momentos mais agradáveis de minha vida – ao lado daqueles que hoje me são os companheiros: os livros.

Poucos falavam tanto, e raros tinham tanto ainda por falar! Graças a ele publiquei minha primeira poesia, e ouvi muitos poemas; conheci Neruda, fui apresentado a Lorca, descobri os plágios de Jorge Amado, e me admirava em ver a intensa religiosidade daquele homem que, preso na juventude por ser comunista, convertera-se ardorosamente a uma fé que contagiava.

Tio José, contudo, só teve uma rápida presença em meus tempos de faculdade – encontrei-o num Congresso de Direito, dos muitos que fui naquele tempo, na banca de um livreiro a comprar livros.

Livros! Quantos livros!

***

Anos depois, já formado, encontrei certa feita o Confrade Romilton Sobrinho, que me antecedeu na Presidência da Academia, junto a um vendedor de obras jurídicas, daqueles vagamundos. Em Caetité nenhuma biblioteca se iguala à dele, e a mim cabia ser expectador daquela negociação. O vendedor elogiava o acervo do colega, mas em dado momento comenta que, apesar de Romilton ser uma traça, havia na Bahia um advogado que nenhum desembargador possuía cabedal maior. E foi falando, falando, até que eu consegui soltar um “Eu sei, é muito livro mesmo”. Os dois pararam, me olhando, surpresos – eu que até então estivera meio alheio diante daquela troca de informações entre ambos... O livreiro me desafiou: não poderia conhecer, pois tal advogado morava numa pequena cidade, a centenas de quilômetros de Caetité! Então perguntei-lhe: “Ele não mora numa casa com um andar que é todo a biblioteca?” – foi o bastante para o homem arregalar os olhos, admirado, pois eu acertara. Como sabia aquilo? “Ele é meu tio”, expliquei...

***


Tio José fora bem novo para Coaraci, então uma jovem cidade que se erguia sobre o ouro que foi a exploração do cacau no Sul da Bahia. Apesar de lugar violento, “terra de jagunços” diriam, construiu uma sólida carreira advocatícia, foi maçom, enfrentou as agruras desta profissão ingrata dos embates jurídicos... Foi ameaçado de morte por um juiz venal que ele, cioso do Direito, confrontara os desmandos e afastara...
Apesar de ser o “irmão mais velho” da minha mãe, o tio José tinha sua filha mais velha, Rosemarie, com a minha idade – sendo eu o caçula da Marion. Seguia-se a Marta Simone, afilhada de meus pais. Vinha então o outrora franzino Franklin José, que seguiu com brilhantismo a carreira paterna; Lílian Maria (com quem aprendi a chamar “paciência” de “titienca”) era a caçula até a chegada da quarta menina, que recebeu o nome da mãe – Edileusa.

O vasto mundo que viveu o tio José foi também um mundo de transformações profundas – uma geração que assistira a dolorosa e prematura morte da mãe porque inda não havia entre nós a penicilina – e mergulhou afinal pelo século XXI das aventuras tecnológicas, é algo que apenas os pósteros poderão um dia palidamente compreender, com aquele olhar da distância.

Não é o olhar que agora tenho... É sim o olhar de tristeza e dor da proximidade, algo que mesmo a distância imposta pela vida é incapaz de calar – porque é a dor do sangue, do parente que se vai.


O homem dos livros, dos sonetos que guardo até hoje – apesar de já ter destruído os meus próprios versos canhestros – revive na imagem da fotografia que volta e meia reencontro e que ele me pediu para tirar, eu com aquela máquina infantil, a registrar algo que ainda amo em Caetité – um carro de bois.

Um carro de bois é anacrônico, marca de um tempo passado que resiste emitindo seu lânguido rangido. Meu tio José, o “irmão mais velho”, foi ele também anacrônico: um homem que amava os livros, num país que não os lê...

Que Deus o receba, como no dia que me chamará também, talvez como um dia brincava comigo meu tio José Almiro: “André Luiz, André Ruiz, André Juiz”... Para que eu finalmente entenda, meu tio, que “juiz” serei de mim mesmo.

Porque agora, com vossa perda, meu único juízo é o de que a Advocacia baiana, com “A” maiúsculo, perdeu um de seus maiores nomes.
Caetité, 9 de junho de 2011